Abstract: Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens eram ambos experientes oficiais da Marinha portuguesa quando foram selecionados para liderar uma viagem científica entre Angola e Moçambique em 1877, em uma das primeiras expedições financiadas pela Sociedade de Geografia de Lisboa. No contexto da disputa europeia por territórios na África e da expansão da colonização portuguesa no continente, o objetivo destes exploradores era mapear o território buscando vias fluviais que conectassem as áreas de domínio português em ambos os lados do continente. O sucesso da viagem levou à organização de uma segunda expedição, realizada entre 1884 e 1885 em meio ao contexto da Conferência de Berlim, da Partilha de África e da confecção do mapa cor-de-rosa, que deveria registrar a soberania portuguesa sobre uma faixa de terra ao sul do continente que conectava os oceanos Atlântico e Índico. Durante ambas as expedições, Capelo e Ivens contaram com o apoio de agentes locais que compartilharam informações sobre a natureza, auxiliaram na movimentação pelo território e colaboraram com o transporte dos instrumentos científicos utilizados no estudo da natureza africana. Essa vasta e diversificada rede de colaboradores incluía desde carregadores e guias até soberanos de alguns sobados angolanos. Um dos elementos que possibilitou esses encontros interculturais foi a troca de fazendas, contarias e outras “dádivas” por bens e serviços. Logo, compreender o valor atribuído a esses objetos pelos diferentes povos que habitavam o território africano, perceber suas preferências e saber negociar eram habilidades cruciais para o domínio das dinâmicas comerciais que garantiam a colaboração dos agentes locais. Diferentes tipos de tecidos, como algodão, chitas, riscados, e outros, possuíam valores distintos que dependiam do grupo com o qual se negociava. O mesmo era verdadeiro para os variados tipos de contarias, entre outros produtos, que incluíam pólvora, tabaco e aguardente. Nesse cenário, uma das maiores dificuldades relatadas por Capelo e Ivens nos relatos de viagem que publicaram após suas expedições foi que esse conhecimento prático era ignorado por outros viajantes que focavam nas descrições da geografia e etnografia locais sem nada informar sobre os “gêneros mais necessários ao viajante”. No sentido de preencher essa lacuna, seus relatos listam os valores de diversos gêneros utilizados nas trocas com os povos africanos, fornecendo exemplos de como a compreensão das dinâmicas comerciais locais era um elemento fundamental para o sucesso das expedições científicas na África Oitocentista.